Eu sempre enxerguei com nitidez as imagens da minha tela imaginativa. Desde pequenininha treinava invisibilidade instantânea para poder visualizar sossegada as histórias (invisíveis aos outros) que aconteciam dentro de mim.
Em casa, na escola, nas festas de família, onde queria sossego, eu sumia pra aparecer com mais nitidez emMIMmesmada. Aos 40 anos, em 2010, tive a vontade de estruturar um processo criativo diferente do que estava praticando desde então, para criar um novo espetáculo. Não sabia exatamente sobre o que queria falar. São tantas coisas interessantes no mundo! Como eu sempre aconteci via o reconhecimento do que se apresenta no campo sincrônico da vida, logo senti vontade de me auto pesquisar por meio da escrita espontânea, e descobrir o que estava circulando inconscientemente no meu campo imaginativo. Sempre fui atraída pela imprevisibilidade como princípio criativo da vida e o planejamento acabava chegando na segunda ou terceira etapa de realização, então lancei-me nesta experiência.
Depois de muito tempo dedicada ao espetáculo Jogando no Quintal, um movimento onde a dramaturgia era totalmente voltada para a improvisação e pela presença da palhaçaria, senti vontade de fazer um espetáculo marcado e ensaiado.
Mas pra começar, decidi entrar em relação com a imprevisibilidade do meu campo imaginativo e estruturar um processo criativo mais consciente por meio dos downloads de livre escrita. Fui sistematizando uma prática diária de baixar para o papel sulfite quando algo inspirador se apresentava dentro e fora de mim… e vice versa.
Apesar de ter organizado espaços na agenda semanal e instaurado um campo criativo no meu quarto, percebi que com a rotina de artista que vivo desde sempre não conseguia me comprometer com um ideal de prática, mas me ocorreu que a constância desta era importante pra que eu pudesse realizar algo. Então acordei pra possibilidade de ter meu atelier portátil! Na mochila eu sempre levava um caderno, lápis de grafite, o gravador e o mais importante: eu mesma em modo de presença afetiva! Percebi que não precisava marcar hora pra estar em estado criativo. Percebi que podia viver num estado de me deixar afetar pelo mundo no imediato e por efeito acontecia que afetava o entorno presente! Um vice-versa onde uma retroalimentação inspiradora pode acontecer naturalmente, ou seja, vivia num estado de IMPROVISO ativo full time! Fui experimentando este estado, que foi se tornando algo natural. Sinto que isso foi um resgate de uma potência que nascemos e perdemos no decorrer da vida. Durante meses baixava da minha nuvem portátil e particular conteúdos simpáticos quando entrava em relação criativa consciente com o mundo. Eu fui enxergando imagens escalafobéticas, imprevisíveis, surreais e aos poucos, mais de 60 textos baixaram pro sulfite vazio. Eu ia pendurando no meu varal de downloads, que ganhou vários andares nas paredes. Um dia senti que o ciclo de conteúdos tinha fechado. Me preparei para ler os textos. Alguns risquei e fiquei com trechos ou frases, outros precisei exercitar o desapego e amassei jogando no lixo (o que importa fica importado dentro de nós), arquivei alguns, e no final selecionei uma leva deles. Depois de alguns dias de respiro… voltei a ler e reconheci que estava transitando pela temática da morte!
Tinha perdido minha mãe repentinamente fazia alguns anos e tinha passado por um câncer de tireoide. Não tinha me dado conta do tamanho do medo que ainda estava sentindo. Estava lá meu espetáculo! Todas as minhas células criativas começaram a brincar e sentia constantemente um frio na barriga. Todas aquelas imagens baixadas viraram textos, que viraram cenas, que viraram o roteiro do espetáculo ESCALAFOBÉTICA – Uma assepsia onírica! Ali a Palhaça Rubra flertava com a temática da morte que sempre a levava para a vida de maneira cômica e imprevisível. Comecei a viver o dia a dia na escuta do meu campo imaginativo com meus 5 sentidos ativos. Até downloads sonoros começaram a acontecer com mais consciência! Este espetáculo surreal trouxe para a cena uma trilha sonora criada em modo download. Eu ouvia as melodias, registrava imediatamente no gravador e meus parceiros Danilo Penteado e Álvaro Lages, estruturam o que veio a ser uma ópera rock! Meu filho Gabriel, super tímido, topou entrar em cena comigo! Minha grande parceira de palhaçaria do Jogando no Quintal, Rhena de Faria, dividiu a direção comigo e os caminhos foram se abrindo para realização até a estreia no Sesc! Algo invisível para o mundo… que estava dentro de mim… aos poucos foi nascendo. A real é que nos dedicar a enxergar o invisível é uma prática que desinvisibiliza tesouros e conecta amores incondicionais!