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Depoimento de uma Flexível brincante

Por Carol Melo

A Lu apareceu na minha vida e eu na dela de uma forma muito curiosa, entramos na família uma da outra. Eu sempre atraída pelas histórias dela, me envolvia nas conversas durante os almoços com uma mão no queixo querendo sempre saber mais detalhes do que estava sendo contado.

Nos nossos assuntos comuns sobre o circo eu levava os meus encantamentos e as dificuldades de seguir padrões na escrita da minha dissertação. Acredito que as minhas alegrias em falar das pessoas ao meu redor fizeram com que a Lu aos poucos fosse se aproximando do grupo de pesquisa e do Marco Bortoleto meu orientador… e em pouco tempo lá estava ela para falar de um tal método da Autonomia Criativa.

Eu não tinha ideia do que era isso e muito menos no que iria dar, mas estava achando aquela troca maravilhosa e assim fui dando suporte dentro do que eu conseguia. Meses depois estávamos nós lá, um coletivo de artistas experimentando as diferentes práticas que ela estava propondo. Eu, como ainda não me reconhecia como artista e sim no momento mais como pesquisadora, a ideia inicial era eu observar! No primeiro dia de prática a Lu colocou todo mundo para fazer, nada de observadores, lá todos seriamos praticantes.
A minha experiência era com o tecido acrobático e então pensei em talvez criar uma cena com ele. Os encontros eram muito doidos, eu anotava tudo e não entendia nada de onde ela estava querendo ir… eu toda sistematizada e controladora muitas vezes me pegava enrijecida e querendo de alguma forma querendo sistematizar tudo aquilo dentro de mim ao invés de viver propriamente. Hoje sabendo que o improviso é o coração do método dou risada daquela Carol.

Um dia em um certo encontro, a Lu me perguntou se eu aceitava fazer uma experiência. Fomos em um lugar sem espelho e ela começou a colocar alguns elementos em mim, um vestido de manga bufante dos anos 80, uma peruca, me maquiou e colocou o nariz. E de uma possível cena no tecido, saiu uma cena de palhaçaria, foi lá que nasceu a Palhaça Nair.

Colocar o nariz era tão novo para mim, que sinto hoje que ali naquele momento de uma pequena cena que fiz sobre a minha avó Nair, por isso o nome da palhaça, eu me permiti não me controlar tanto. A cena era sobre o fato da minha vó não gostar de dar abraços, as pessoas riam e eu não entendia muito o porquê, afinal aquela era uma cena real da minha vida que me gerava inclusive crises. A Lu conta que eu não parava de falar, mas eu nem lembro muito disso, lembro mesmo é de estar com os pés descalços, uma sensação de aterramento e de que ali eu estava vivendo algo que nunca tinha vivido antes.

O abrir dessas experiências abriu também a porta das crises, o Método estava começando a mobilizar… lembro de ter crises de que palhaçaria não ia me dar “glamour”, eu ainda achava que o tecido é que gerava encanto nas pessoas! Fui de forma muito lenta começando a entender a potência do improviso, da comicidade e da poética na minha vida, e de ir confiando mais na sincronicidade da vida e isso me dava medo e frio na barriga ao mesmo tempo.
Esse processo me permitiu devagar ir encontrando brechas nos formatos acadêmicos para também deixar meu texto mais poético e mais “a minha cara”. Eu conversava muito com a Lu, trocávamos muito e inclusive ela ilustrou a minha dissertação.

Quando terminei o mestrado, começou a pandemia e nesse momento eu a Lu decidimos concretizar as nossas parcerias! Com tantas oficinas que demos juntas desde então sinto que agora eu estou começando a sentir o que é o método e percebendo os transbordamentos disso na minha vida.

Hoje em dia tenho gostado dessa tal imprevisibilidade, desde as sutilezas quando estou cozinhando ou cuidando do meu jardim quanto no meu trabalho. A vontade de escrever livros, pequenos poemas ou frases começaram a fazer parte da minha vida e possíveis números de circo com a Nair começou a me gerar fluxo e vontades, com menos apego de que precisam ficar bom ou ruim, inclusive eu ressignifiquei o tecido na minha prática, e um número cômico com ele está em processo. Seguimos ainda curiosas um pela outra, mas agora com autonomia criativa mesmo na minha vida e estou gostando de me ver nesse modo, uma brincante mais flexível.

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